“O direito oferece o dado da linguagem como seu integrante constitutivo. A linguagem não só fala do objeto (Ciência do Direito), como participa de sua constituição (direito positivo)”.

Paulo de Barros Carvalho

A liberdade de imprensa, como a de religião ou de pensamento, é garantia constitucional prevista em cláusula pétrea e nuclear do contrato social brasileiro. Logo, não pode ser adjetivada, reduzida ou condicionada.

10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

"O Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantes devem obediência à Constituição."

Goffredo da Silva Telles Junior











sábado, dezembro 20, 2008

O Roubo na história...

Advocacia - Quebra de paradigma: O roubo na história dos grandes códigos penais

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por Antonio Baptista Gonçalves
O roubo simboliza uma quebra de paradigma no que tange a evolução do próprio Direito Penal com o transcurso do tempo.
O Código de Hamurabi, uma das três mais antigas codificações existentes no mundo já disciplinava a possibilidade do roubo através da Lei do Talião:
Art. 6º Se um homem roubou bens de deus ou do palácio, deverá ser morto juntamente com aquele que recebeu o objeto roubado.
[...]
Art. 8º Se um homem roubou um boi ou uma ovelha ou um asno ou um porco ou uma barca, se é de um deus ou do palácio, deverá pagar até trinta vezes mais; se for de outra pessoa, restituirá até dez vezes mais. Se o ladrão não tem com que restituir, será morto.
Ao contrário do que a crendice popular estabeleceu a Lei de Talião é parte integrante do Código de Hamurabi, no entanto, os institutos não se mesclam e sua separação é bem nítida.
A Lei do Talião consagrou a célebre frase: “olho por olho dente por dente”, porém, em verdade, não é exatamente essa a tradução do dispositivo, pois, o artigo que menciona tal fato prevê: aquele que retirar a orbe de alguém deve ter a sua própria orbe extirpada e aquele que numa briga quebrar os dentes de outrem, que tenha seus dentes quebrados.
O escopo fundamental é o caráter sancionatório da conduta, ou seja, a pena é um elemento secundário na tratativa e, portanto, devemos analisar a questão com mais profundidade.
Existe uma diferença nem sempre perceptível entre pena e sanção, todavia, entender o que cada palavra significa será fundamental para a própria compreensão da evolução do próprio Direito penal.
Sanção — parte coativa da lei, que comuna penas contra os que a violam; sentido penal jurídico – norma penal que estabelece a pena para crime ou contravenção1.
Pena — castigo, punição: “A rainha D. Maria I por um ato de clemência comutou as penas de quase todos em extermínio para à África, e só um, o Tiradentes, subiu ao Patíbulo”2.
Numa primeira leitura a diferença pode não existir, contudo, na época dos primórdios da codificação o vislumbre penal era o crime, ou seja, o modelo sancionatório repressor e não se buscava uma ressocialização, naquela época o mais importante era garantir a ordem da sociedade e demonstrar aos demais que em caso de desobediência a mão forte do Imperador iria sopesar sobre o criminoso e que a sanção serviria de exemplo para os demais, bem como para que o próprio criminoso tivesse o selo de que detinha a culpa estampada e sua face, que Hamurabi havia estabelecido sua punição.
Grosso modo, o cidadão responderia com seus atos com sanções impostas a si mesmo, sem qualquer tipo de preocupação em reflexão, privação do tempo livre, etc.
Exatamente por isso, a grande maioria das penas previstas nos dispositivos penais continha como sanção à perda da própria vida, como podemos acompanhar nas Leis de Manu:
“323. O rato de homem de boa linhagem e, sobretudo, de mulheres; o roubo de jóias de elevado preço, como diamantes, será punido com a pena de morte.”
O avanço do Império Romano que culminou com a derrocada de vários e diversos países e culturas, também, introduziu a mudança de paradigma entre sanção e pena.
As ações gradativamente deixaram de ter como finalidade o caráter sancionatório para adquirir um espírito voltado para a pena, ou seja, deixa-se de responder com a própria vida.
Com o próprio avanço do Império Romano já sentimos a diferença:
“Título II Do roubo dos bens.
Aquele que rouba coisas alheias está sujeito também à ação de furto, pois quem se apodera de uma coisa alheia mais contrariamente à vontade do dono do que aquele que o faz pela força? Daí asseverar-se com razão que se trata de um ladrão perverso. Entretanto, o pretor introduziu uma ação própria contra esse delito, a denominada ação dos bens roubados com violência (vi bonorum partorum); é do quádruplo dentro de um ano, e após um ano, do equivalente (simpli). Trata-se de uma ação útil, ainda que se tenha roubado uma coisa mínima. Porém, o quádruplo total não é pena, sendo a ação, além de penal, reipersecutória, como dissemos com respeito à ação do furto flagrante”.
O giro lingüístico no que tange à transmutação da aplicação das sanções para as penas inspirou dentre outras coisas o movimento libertário francês que resultou na Revolução daquele país.
O objeto, afora, passava a ser a perda da liberdade individual, com o intuito de que o mesmo possa refletir sobre as condutas praticadas.
Com isso, o roubo passou a ser considerado ainda crime, mas com uma punição que pode ser considerada mais branda.
O sistema penitenciário atual é inspirado no modelo que outrora fora utilizado pelos mosteiros antigos como penitência pela expiação, ou seja, o monge se enclausurava e se isolava dos demais para se retirar e meditar sobre a conduta danosa que cometera. Seria uma forma de reparação ao dano que praticou e o faria pensar e visualizar seu erro para que não tornasse a cometê-lo.
O local que fazia isto era um claustro, como a prisão de hoje, no qual ficava isolado e sozinho, separado do “mundo externo” por barras de ferro.
Este retiro também era visto como uma reparação à sociedade em si, uma vez que ao estar afastado, ainda que por um curto período, os demais indivíduos estariam protegidos do infrator e este estaria sofrendo uma pena pela conduta que praticara.
Tal conceito fora adaptado e incorporado à sociedade moderna, e reflete exatamente o sistema atual adotado para os criminosos.
A condenação nos dias atuais serve como uma compensação à sociedade pelos danos causados, ou seja, uma justificação moral da aplicação da pena, e uma forma de retornar ao equilíbrio social existente, antes do delito ser praticado.
Hoje a pena impera na sociedade e sobre o roubo o Código Penal de 1940 é claro:
“Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena — reclusão, de quatro a dez anos e multa.
§ 1º — Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
§ 2º — A pena aumenta-se de um terço até metade:
I — se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II — se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III — se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV — se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;
V — se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
§ 3º — Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa.”
Entender a origem da tratativa do roubo e, também, os modelos de repressão adotados é um meio imprescindível para saber lidar com a conduta e, principalmente com o agressor, portanto, um estudo comparativo, ainda que breve, sobre a evolução histórica do roubo nos mostra a evolução do sistema punitivo, sua mudança de paradigma e as razões da existência do próprio sistema prisional atual.
Notas de rodapé
1. Houaiss, Antônio e Villar, Mauro de Salles (co-autor). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa : Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2508.
2. Novo Dicionário da Língua Portuguesa – Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. 2º ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1299.
Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2008
Sobre o autor Antonio Baptista Gonçalves: é advogado, doutorando em Filosofia do Direito (PUC), mestre em Filosofia do Direito (PUC), especialista em Criminologia pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, pós-graduado em Direito Penal — Teoria dos Delitos (Universidade de Salamanca), pós-graduado em Direito Penal Econômico na Fundação Getúlio Vargas.
E-mail: antoniobgoncalves@uol.com.br

Fonte: Revista Jurídica Netlegis, 19 de Dezembro de 2008

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