“O direito oferece o dado da linguagem como seu integrante constitutivo. A linguagem não só fala do objeto (Ciência do Direito), como participa de sua constituição (direito positivo)”.

Paulo de Barros Carvalho

A liberdade de imprensa, como a de religião ou de pensamento, é garantia constitucional prevista em cláusula pétrea e nuclear do contrato social brasileiro. Logo, não pode ser adjetivada, reduzida ou condicionada.

10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

"O Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantes devem obediência à Constituição."

Goffredo da Silva Telles Junior











segunda-feira, agosto 11, 2008

A Lei de Responsabilidade Fiscal para os candidatos de hoje e os eleitos de ontem.

Neste artigo, o trabalho do Professor Leo da Silva Alves, Direito Administrativo e Conferencista especializado em Responsabilidade no Serviço Público - publicado pelo BNDES, vamos abordar o "Papel de Fiscalização das Câmaras Municipais e como prevenir problemas que levam a perda da função e à sanção criminal.
Embora tenha sido escrito por ocasião do nascimento da Lei Complementar n• 101 de 04 de maio de 2000, as regras são mais atuais que nunca e servem de alerta para aqueles que almejam ocupar os cargos públicos, neste caso o de "prefeito municipal" e de “vereadores”.
Por outro lado, é bom destacar que o eleito não pode querer transferir aos subordinados a culpa que por lei sempre será sua. Nesse ponto se incluiu a costumeira e antiga “omissão” com relação às questões tributárias. Deixar de cobrar impostos, deixar de exigir o cumprimento das obrigações fiscais acessórias, tais como, fazer “vista grossa” para aqueles que exercem atividades de prestação de serviços, circulação de mercadorias sem os devidos cumprimentos fiscais exigidos. Agindo assim, o responsável legal pela fiscalização, no caso o chefe do executivo, deve responder pelo crime de evasão fiscal, a qual se não for objeto da tomada de medidas cabíveis pelos fiscais legalmente constituídos para esse fim, os vereadores, a comunidade, através de representação ao Ministério Público, deve tomar a iniciativa para a aplicação das sanções próprias. (Comentários do blog)


OS PREFEITOS E A LEI DA RESPONSABILIDADE FISCAL

O papel de fiscalização das Câmaras Municipais. E como prevenir problemas que podem levar da perda da função pública à sanção criminal.

Léo da Silva Alves
Professor de Direito Administrativo.
Conferencista especializado em
responsabilidade no serviço público.

Chegou, sem dúvida, o terror dos prefeitos. Mais do que quaisquer outros agentes públicos, serão os chefes de executivos municipais os que, mais de perto, sentirão – ou sofrerão – as agruras do novo texto.
Com efeito, a Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, chega para revolucionar a gestão pública, a começar pelos mais complexos entes da Federação, que são os Municípios. Nesse contexto, torna-se imperativa a análise da responsabilidade.

Os núcleos da Lei:


A Lei Complementar nº 101/2000 traz, na sua essência, três núcleos que precisam ser considerados:
- Responsabilidade
- Gestão
- Fiscal
Na verdade, o art. 1º já enuncia que a Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.
Portanto, o estudo da responsabilidade fiscal deve considerar o aspecto de gestão.
Não se trata de texto a versar sobre a responsabilidade fiscal em aberto, mas de Lei Complementar que cuida da responsabilidade no gerir, no gerenciar, no administrar os recursos resultantes dos instrumentos fiscais. Esse aspecto não é mero jogo de palavras. Seu reflexo aparece de pronto na hora de examinar as medidas contra os agentes públicos que atuarem em desacordo com o mandamento imposto. Ainda que o cumprimento dos detalhes operacionais esteja entregue, por óbvio, ao quadro técnico da Administração, a responsabilidade direta recai sobre o gestor, sobre aquele que tem obrigações que são suas, posto que inerentes à natureza do cargo.
Desta forma, é preciso o alerta. Tem-se visto ênfase à responsabilidade fiscal, sem que seja observado o núcleo intermediário e fundamental: a gestão.
O administrador, portanto, ainda que possa transferir encargos, distribuir tarefas e delegar competências, não estará, por apenas isso, à margem de qualquer sanção. O gerenciamento, lato sensu, é indelegável. O governador não deixa de ser governador, o prefeito não deixa de ser prefeito. É possível resguardar-se, é recomendável prevenir. Não há como, entretanto, escapar do núcleo central da Lei, que alcança, em primeiro plano, aquele que foi eleito – e eleição não se transfere – para ser o gestor da res pública.

O princípio da legalidade


O gestor está preso aos mandamentos da lei, dele não podendo se afastar, sob penas de invalidade do ato e de responsabilidade pessoal.

A Constituição Federal

Os agentes públicos, em todos os níveis, estão sob o império, entre outros, do princípio da legalidade, esculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal..
A palavra princípio, em sentido popular, significa “aquilo que vem antes de tudo”. Contrapõe-se ao fim, que é o outro extremo. Em sentido técnico, os estudiosos admitem a inexistência de uma conceituação segura. A palavra tem um significado vago. Podemos, todavia, considerar que o sentido vulgar tem aplicação também na ciência do Direito, na medida em que um princípio é a base de partida de um raciocínio jurídico. Não foi sem razão que, no cenário da Filosofia do Direito Administrativo estuda-se com destaque a principiologia, ou seja, a sistematização racional dos princípios. Quer-se oferecer bases racionais e lógicas que permitam a melhor interpretação e aplicação da lei.
A legalidade é um desses princípios. A partir do seu postulado, deve fluir o desenvolvimento do raciocínio do administrador público. Sua lógica repousa na constatação de que, em um Estado de direito, que se pressupõe governado pela ordem legal, nenhuma autoridade pode tomar decisão individual que não esteja contida nos limites de uma disposição geral, ou seja, alicerçada em uma lei, no sentido material. Como leciona Cretella Júnior, a legalidade “é o grande princípio que domina a atividade do Estado – o da submissão à legalidade lato sensu - , sentido em que é tomado hoje na linha tradicional da antiga fórmula do Estado legal ou do Estado de direito.” (Filosofia do Direito Administrativo, Ed. Forense, 1999, pág. 64)

A história nos reporta ao episódio do moleiro Sans Souci, que teve que enfrentar o rei Frederico II da Prússia, cuja ambição desenfreada levou-o à tentativa de expropriar-lhe o moinho. O ato de expropriação não tinha alicerce em nenhuma causa de interesse público. O rei apenas queria ampliar a vista do palácio real. O moleiro, súdito e humilde, frágil e desarmado, não se deu por vencido e bradou ao rei a frase que ficou para os tempos: Há juizes em Berlim! O homem simples expressava a sua fé no sistema jurídico sob o qual vivia. Diante ao surpreso e aturdido rei, ele apostava na Justiça, que, acreditava, haveria de impor a legalidade.
A doutrina francesa expressa com simplificação o sentido do princípio da legalidade. Georges Vedel, nessa linha, classifica-a como “qualidade daquilo que é conforme a lei”. A lei, sublinhe-se, entendida como tudo o que for a exteriorização do Direito. (Droit Administratif, 1992, pág, 247)
Dentre nós, o princípio da legalidade aparece com destaque em dois momentos na Constituição Federal. Primeiro, ao reproduzir a conhecida fórmula do Direito moderno de que ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei; e, depois, no caput do art. 37, ao vincular a Administração Pública ao eixo da conduta legal.


Podemos, sinteticamente, dizer que será antijurídica a ação do administrador público quando não estiver expressamente autorizada em lei. E, ainda assim, se não estiver pautada ao quando e ao como a lei autoriza. Vale dizer que o gestor está preso aos mandamentos da lei, dele não podendo se afastar, sob penas de invalidade do ato e de responsabilidade pessoal.

A improbidade administrativa

Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole, entre outros, os deveres de honestidade e legalidade.

A violação do princípio da legalidade na Administração Pública tem ressonância no ordenamento jurídico infraconstitucional. A Lei nº 8.429/92, conhecida como Lei da Improbidade Administrativa ou Lei do Colarinho Branco, oferece conseqüência à violação da ordem constitucional, atacando diretamente a pessoa do agente. Com efeito, essa Lei trata de três tipos de atos de improbidade:
- os que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º);
- os que causam prejuízo ao erário (art. 10); e
- os que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).

Podemos, portanto, ter atos praticados por gestores públicos sem qualquer proveito pessoal e sem mesmo causar dano ao erário, mas que serão também de improbidade administrativa se agredirem princípios indissociáveis do exercício da gerência pública.

O art. 11, caput, relaciona como uma dessas violações o deixar de cumprir o princípio da legalidade, ou seja, não atuar rigorosamente dentro das balizas fincadas pela lei. O inciso I do mesmo artigo, por sua vez, é enfático ao se referir à prática de atos visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência. E o inciso II trata dos atos de ofício.

Vejamos a redação na íntegra:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer
ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;”

Ora, a Lei Complementar nº 101/2000 – ou Lei da Responsabilidade Fiscal, como já ficou conhecida - traz regras específicas sobre o gerenciamento dos recursos fiscais. Logo, o gestor deverá pautar a sua ação rigorosamente dentro dos preceitos estabelecidos no texto. Poderemos, por exemplo, encontrar o administrador tentando burlar a lei no que diz respeito aos limites com despesa total de pessoal. Simulando enxugamento da estrutura operacional humana, reduz o número de servidores e empregados públicos. Depois, terceiriza a mão de obra.Contrata empresa prestadora de serviço, repondo o pessoal por via transversa.
Agindo desta forma, estará atuando dentro de um fim que lhe é defeso. Essa conduta está vedada na Lei (a mão de obra terceirizada será computada como “Outras Despesas de Pessoal” e, portanto, não serve como escape para manter a máquina administrativa inchada). O plano é falho e representa agressão ao princípio da legalidade, o que leva à invalidade do ato, além de atrair para o gestor a responsabilidade pessoal, por improbidade administrativa. A esperteza, como se vê, não tem espaço.
Podemos citar outros exemplos:
- Utilizar disponibilidades de caixa dos regimes de previdência social em empréstimos aos segurados ou ao Poder Público, aqui incluindo
empresas sob o seu controle.
- Criar ação governamental, que implique em aumento de receita, sem estimativa do impacto orçamentário-financeiro e sem declaração do ordenador de despesa, no sentido de que a medida é compatível com o orçamento anual, com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
- Realizar operação de crédito por antecipação de receita no último ano de mandato.
- Deixar de apresentar o Relatório de Gestão Fiscal ou retardar a sua apresentação..
Afora as conseqüências para o ente da Administração – e para os administrados em última instância – previstas na Lei Complementar nº 101/2000, está clara a responsabilidade do gestor com base na Lei nº 8.429/92.
O Ministério Público, ciente da ocorrência, poderá promover a competente ação de improbidade administrativa, que se desdobra em vasto leque de sanções:
- ressarcimento do dano, se houver;
- possibilidade de responsabilidade penal;
- perda da função pública;
- suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos;
- pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente;
- proibição de contratar com o Poder Publico, ainda que por intermédio de pessoa jurídica, pelo prazo de três anos.
-
Essas são as sanções que decorrem simplesmente da violação de princípios que regem a administração pública, como estabelece o art. 11 c/c art. 12, III, da Lei nº 8.429/92. As sanções podem ser substancialmente mais graves, comprovados outros desdobramentos a nível de improbidade, como as hipóteses delineadas nos artigos 9º e 10 da Lei do Colarinho Branco.
A idéia matriz da potestate pública Nos últimos cem anos, o Direito Administrativo passou a ser alicerçado na idéia matriz da chamada potestate pública, sobre a qual a doutrina criou a teoria dos atos de império e dos atos de gestão.
A potestate pública gira em torno de dois polos: o das prerrogativas e o das restrições. São situações que exorbitam o direito comum, inexistentes em relação às pessoas jurídicas de direito privado. Cabe dizer que Administração Pública, em uma mesma situação de fato, pode tomar medidas que o particular não pode (são prerrogativas); de outra feita, não pode praticar determinadas ações que só o particular pode (são restrições).

As prerrogativas públicas, decorrentes da idéia central da potestate, conferem ao administrador um poder singular, colocando-o em um plano de desigualdade jurídica em relação ao particular. Presumindo-se atuar em nome do interesse público, pratica verdadeiros atos de império. Por outro lado, estão as restrições, não impostas ao particular, mas vinculadas à ação legítima do agente público. Desse modo, o particular pode tomar decisões movido, por exemplo, por valores afetivos, como simpatia, gratidão, reconhecimento, generosidade; ou por quadros de paixão, como amor, ódio e vingança. O gestor público, impessoal na sua conduta, não pode mover-se ao calor e sabor de tais sentimentos. Ele está preso ao interesse coletivo e, para alcançá-lo, deve gerenciar a res pública com os poderes mas, também, com as sujeições que a lei lhe impõe.
Em síntese: por conta da potestate pública, o administrador não pode limitar-se ao exercício das prerrogativas. Ele está igualmente vinculado a um elenco de proibições, cuja inobservância por certo resultará em responsabilidade pessoal.

Os Prefeitos e os crimes de responsabilidade

No plano das responsabilidades, em decorrência da gestão, temos ainda a considerar o Decreto-Lei nº 201/67, que dispõe sobre a
responsabilidade de prefeitos e vereadores. No confronto desse Decreto-Lei com a Lei da Responsabilidade Fiscal, podemos concluir que muitas previsões, inobservadas podem levar à responsabilidade criminal do Chefe do Poder Executivo Municipal.
Vejamos:
“Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviálos em proveito próprio ou alheio;
II – utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheiro, de bens, rendas ou serviços públicos;
III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;
IV – empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos
ou programas a que se destinam;
V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes;
VI – deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município à Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos;
VII- deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos,
subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer título;
VIII – contrair empréstimos, emitir apólices ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;
IX – conceder empréstimos, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;
X – alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com
a lei;
XI – adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei;
XII – antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o Erário;
XIII – nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;
XIV – negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o
motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;
XV – deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei.

Não é difícil verificar que a inobservância de imposições ou restriçõestrazidas pela Lei Complementar nº 101/2000 poderá recair em conduta tipificada como crime no presente Decreto-Lei. E mais: os crimes aqui elencados são de ação penal pública e podem ser objeto de representação de qualquer munícipe.
Fazendo, novamente, cruzamento com a Lei da Responsabilidade Fiscal, poderemos ainda ter a hipótese de órgão do governo federal, responsável peloacompanhamento de determinado ponto da gestão fiscal, requerer a abertura de inquérito policial ou a instaurauração de ação penal, ao Ministério Público, contra o prefeito, uma vez que o Decreto-Lei em tela prevê essa possibilidade no art. 2º, {1º:

“Os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade do prefeito, podem requerer a abertura de inquérito policial ou a instauração de ação penal pelo Ministério Público, bem como intervir em qualquer fase do processo, como assistente da acusação.”

O Decreto-Lei nº 201/67 estabelece ainda que, se a autoridade policial ou o Ministério Público não tomarem as providências devidas, o pedido poderá ser encaminhado ao Procurador Geral da República.
A idéia de que esse Decreto-Lei perdeu vigência foi sepultada. O Supremo Tribunal Federal, pela Súmula 486, já se pronunciou no sentido de que o texto “teve a sua subsistência garantida pela Carta de 1967/69, e não é incompatível com a Constituição de 1988”.


As Câmaras Municipais e as Comissões Parlamentares de Inquérito

Outro instrumento de controle são as comissões parlamentares de inquérito, que, não obstante as circunstâncias políticas que as cercam, têm sido largamente usadas com relativa eficácia pelas casas legislativas. A simples instauração de uma CPI cria um fato político que, não raramente, leva a desdobramentos na esfera judicial, mesmo antes da produção de qualquer relatório.
As comissões de investigação legislativa, para alguns, têm origem no século XVII, quando o Parlamento inglês, descontente com a conduta do comandante responsável pela direção da guerra contra os irlandeses, em 1689, constituiu a chamada Select Commitee, que resultou na apuração de atos de traição do militar, levando-o a julgamento e condenação pela Coroa. Outros, ainda que admitam o seu nascedouro na Inglaterra, indicam como data o ano de 1571.
A verdade é que a prática chegou aos Estados Unidos, com a denominação de Congressional Investigations; na itália denominou-se Commissioni d’ Inchieste Parlamentari; e na França Comission d’ Enquête Parlamentaire. Assim, foi alastrando-se pelo mundo. No Brasil, não chegou cedo. Não se tem notícia de formação de comissões parlamentares de inquérito durante o Império. Foi a Constituição de 1934 que trouxe esse instrumento para o ordenamento jurídico brasileiro. Com exceção da Carta de 1937, todas as demais Constituições
confirmaram o instituto das CPIs.
Hoje, as comissões parlamentares de inquérito espalham-se pelo país. A cada ano, não há Estado que não tenha assistido a tramitação de, no mínimo, uma CPI rumorosa; e não há Município em que, pelo menos, não se tenha, em cada exercício financeiro, no mínimo tentado a instauração.
O expediente é legítimo. Vale sublinhar que investigar constitui uma das funções prioritárias do Poder Legislativo. Deriva do poder de controle, entregue como atividade institucional aos Parlamentos, em todos os níveis da federação. Portanto, diante a fato concreto, qualquer casa legislativa pode deflagrar o expediente apuratório. O que não se admite é a investigação genérica, em torno de fatos imprecisos, de episódios dos quais nada mais exista do que vaga suposição.

A manipulação de dados relativos às despesas de pessoal, pelo Poder Executivo, pode ensejar a instauração de uma comissão parlamentar de inquérito.

criação de benefícios relativos à seguridade social sem fonte de custeio pode igualmente deflagrar a medida. O mesmo pode acontecer para a verificação da real dívida consolidada de um ente da federação e possíveis operações de crédito operadas de forma que a Lei expressamente proíbe. Enfim, os Parlamentos têm, com a nova Lei, um elenco de possibilidades a ensejar, primeiramente, o acompanhamento e, depois, diante a casos concretos, a investigação de possíveis irregularidades.

é demasiado advertir que as conclusões de uma CPI podem levar a uma seqüência de responsabilidades e punições em cadeia, que vão atingindo dos quadros técnicos da Administração até – e principalmente – o gestor, o Chefe do Poder Executivo, sobre o qual pode recair, por exemplo:

- crime de responsabilidade;
- crime contra a administração pública;
- improbidade administrativa, com todos os seus desdobramentos, que vão, como já vimos, da obrigação de ressarcir o erário até a perda do cargo público e a suspensão dos direitos políticos.

Meios de prevenir a responsabilidade pessoal

O Brasil deixará de ter governantes tradicionais para ter gerentes dos interesses do povo.
Como se pode ver, cautelas são necessárias. A Lei da Responsabilidade Fiscal surge em um momento histórico, quando denúncias de irregularidades pululam em todo o país, gerando clima de indignação em todos os segmentos sociais. A população, informada pelos meios de comunicação, demonstra insatisfação com os métodos arraigados no exercício da função pública, cobra medidas saneadoras, revolta-se contra a impunidade e torna-se vigilante, despertada pelo espírito da cidadania. Nesse contexto, não há mais lugar para aventuras na frente da administração. Aos poucos, o Brasil deixará de ter governantes tradicionais para ter gerentes dos interesses do povo. E gerenciar é mais do que exercitar o poder discricionário: implica em exercê-lo dentro de regras bem definidas, tendo compromissos igualmente claros com planejamento e resultados. Não há como fugir dessa nova quadra da vida nacional. A administração privada, desde a chamada Revolução Industrial, passou por substanciaismudanças. Surgiram novos conceitos de empregado e de empregador. Capital e trabalho foram revistos. Práticas modernas de gestão foram surgindo. Tudo em nome da modernidade, da qualidade, da eficiência. No serviço público não será diferente. Métodos conhecidos no século XIX não podem continuar resistindo em gabinetes de administradores retrógrados. Doravante, os candidatos a cargo público deverão se adequar ao ofício; não haverá lugar, na contramão, para ofício adaptado aos humores do gestor. Assim como o homem prepara-se para chegar a Marte, a outros planetas e a outros sóis, adaptando-se aos desafios da física sem gravidade, da química espacial e da infinitude de mistérios da natureza e do universo, o gestor moderno deverá se preparar para conquistar seu espaço na nova era que se instala, no terceiro milênio, em torno das práticas de governo.
A Lei é sabidamente complexa e não será, por certo, a redentora de todos os males. Mas ela chega nesse momento histórico para ser cumprida em todo o território nacional, ainda que em municípios pequenos e pobres, onde o improviso, por razões conhecidas, vinha sendo a regra. Não há, agora, que se estabelecer diferença. No mundo globalizado, as regras devem ser universais. O pequeno terá que se adaptar ao grande, como única condição de legitimar a busca da grandeza.
Dentro desse panorama, os gestores, em fase de transição de um processo atrasado para uma administração racional e moderna, podem ter dificuldades e, do bojo delas, sofrer duras penas. Por isso, é preciso privilegiar os meios preventivos.
Podemos sinalizar alguns:

a) Compreender a magnitude do momento

O primeiro passo nesse processo é a compreensão do momento, como acima foi retratado. O administrador precisa estar consciente do seupapel nessa fase que experimenta o país, como de resto o mundo moderno.
Se, ao contrário, persistir retraído, insistindo na defesa de velhos métodos, estará afastado da realidade de um novo tempo. A sua objeção funcionará como um bloqueio psicológico. E, obviamente, não resultará a seu favor.

b) Entender a complexidade da Lei

Não se aposte no caos ou na falha crença de que as leis não são cumpridas no país. Quando surgiu a Lei
da Improbidade Administrativa, muitos sustentaram a sua inconstitucionalidade; outros estavam certos
da acomodação natural, do esquecimento, da ineficácia. Pois a Lei superou os adversários e levou
muitos agentes públicos às barras dos tribunais, com bens seqüestrados e com a vida virada de
cabeça para baixo.


A Lei da Responsabilidade Fiscal é de complexidade técnica. Logo, o gestor deverá cercar-se de profissionais verdadeiramente qualificados. Amera graduação em curso superior não é certeza de eficiência. Prestigie-se o conhecimento técnico e específico nas matérias, que envolvem finanças públicas (economia e contabilidade) e Direito Administrativo (advogado com experiência nas peculiaridades da matéria) e escolha-se os profissionais por critérios que combinem o binômio confiança e competência. A confiança torna-se também importante, na medida em que dos pronunciamentos dessa área técnica sairão decisões do gestor, com responsabilidades que são, em primeiro plano, suas.
Não se aposte no caos ou na falha crença de que as leis não são cumpridas no país. Também não se alimente a ilusão de que o perigo
somente acontece com os outros. Quando surgiu a Lei da Improbidade Administrativa, muitos sustentaram a sua inconstitucionalidade; outros estavam certos da acomodação natural, do esquecimento, da ineficácia.
Pois perderam a aposta. A Lei nº 8.429/92 superou os adversários e levou muitos agentes públicos às barras dos tribunais, com bens seqüestrados e com a vida virada de cabeça para baixo.
É imperativo, nessa linha, que o agente público, prevenido e atento,cerque-se de profissionais sérios, com condições de um assessoramento técnico à altura da complexidade da causa.

c)Descentralizar e delegar

Em tempos que a história começa a sepultar, a centralização era o sinal do poder. Quando mais tarefas, mais importante parecia ser o
administrador. Tudo, assim, ficava sob a decisão de uma só pessoa. Essa técnica há décadas foi varrida da administração privada eficiente. Chegou a hora de fazer-se o mesmo na administração pública. Hoje, o gestor público, absorvendo os arejados ventos do século novo, deve centralizar exclusivamente as tarefas inerentes ao cargo. Trabalhar com planos e estabelecer metas. E, por fim, exercer a supremacia do controle. Nisso repousa o bem governar.

Ajustes políticos impõem, muitas vezes, a ocupação de funcões-chave por correligionários ou apadrinhados. Agora, é uma temeridade. A qualificação técnica deve prevalecer sobre interesses partidários.

As tarefas intermediárias devem ser delegadas, respeitando a qualificação dos segmentos envolvidos. Não pode, todavia, ser esquecida aregra bíblica: quem dá o esforço, dá os meios. Atribuir obrigações a terceiros, sem lhes oferecer as condições para o desenvolvimento da tarefa é, no mínimo, uma temeridade. A começar, nesse contexto, será necessário treinar os agentes. Vale observar, a propósito, que a própria Lei da Responsabilidade Fiscal, no art. 64, prevê que a União prestará assistência, inclusive financeira, para que os Municípios montem uma estrutura de recursos materiais e humanos compatível com as novas exigências. Logo, ninguém pode escudar-se em falta de meios. É preciso ir atrás.

Sobre a má escolha da assessoria, cabe ressaltar que o Direito reconhece a figura da culpa in eligendo, ou seja, a culpa pela má eleição do preposto. Ajustes políticos impõem, muitas vezes, a ocupação de funcões chave por correligionários ou apadrinhados. Agora, não é a melhor receita.

A delegação, por fim, deve vir acompanhada de clara identificação das tarefas, pontuando os níveis de responsabilidade. Quando as responsabilidades não são individualizadas, ficam sendo de todos e de ninguém. Sendo de ninguém, serão exclusivamente do gestor na hora de prestar contas.

d)Estabelecer mecanismo de controle

A Administração precisa ter um sistema de controle interno eficiente.
Antes de que alguém de fora venha questionar os atos, alguém de dentro do órgão deve fazê-lo. A estrutura será maior ou menor, será mais ou será menos complexa dependendo da dimensão do ente controlado. Importante é que exista, seja claramente delineada e reconhecidamente competente e idônea. Ao gestor cabe o controle do controle.

e)Motivar as decisões

Os atos administrativos, de acordo com a melhor doutrina pátria, apresentam os seguintes requisitos:
- competência;
- finalidade;
- forma;
- motivo;
- conteúdo;
- causa.
No presente plano, cumpre-nos observar a relevância do requisitomotivo. Trata-se da circunstância de fato ou de direito que autoriza ou determina ao gestor público a prática do ato administrativo. Isso, via de regra, deve ficar previamente esclarecido, a fim de evitar interpretações confusas de terceiros que se julgarem prejudicados ou dos órgãos de controle externo ou judicial, que, sem informações dos pressupostos, poderão questionar ou impugnar o ato. Esclarecer o motivo – motivar – é, portanto, obrigação do gestor na prática de atos administrativos; e é, também, uma garantia que deve exercitar a seu favor.

f) Apurar irregularidades

A responsabilidade pela gestão, como foi visto, é do administrador. Daquele que tem poder de decisão. Entretanto, nas atividades-meio, poderão ocorrer irregularidades praticadas por pessoas que frustram a confiança do gestor ou por servidores que não estão atentos à legalidade das suas ações. Tomando ciência de situações dessa ordem, o administrador é obrigado a promover a imediata apuração, o que é feito pelos instrumentos conhecidos como sindicância e processo administrativo disciplinar.

A primeira Constituição republicana, de 1891, enunciava:

“Art. 82. Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrem no
exercício dos seus cargos, assim como pela indulgência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.”

O Código Penal prevê o crime de condescendência criminosa, assim tipificado:

“Art. 320 . Deixar o funcionário, por indulgência de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo, ou quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:”
É possível, portanto, que o Chefe do Poder Executivo não receba ciência de conduta irregular de servidor porque, no meio, um funcionário, com a obrigação de comunicar, foi indulgente. Neste caso, ao tomar conhecimento futuro, deve o gestor promover duas medidas: contra o servidor originalmente faltoso e contra o funcionário que foi omisso. (Este, aliás, recaiu também em improbidade administrativa, na medida em que, indevidamente, deixou de cumprir dever de ofício, nos termos do art. 11, II, da Lei nº 8.429/92.)

Não é demasiado lembrar os termos da Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Procurador Geral da República, dos Governadores e dos Secretários de Estado. Entre os crimes definidos, estão aqueles que são contra a probidade na administração:

“Art. 9º. São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:
(...) 3 – não tornar efetiva a responsabilidade dos seus
subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; “

Nas esferas federal, estadual e municipal, os respectivos estatutos que regem os servidores públicos estabelecem a obrigação de apuração imediata das faltas, o que deve ser feito pela autoridade detentora do chamado poder hierárquico, do qual é corolário o poder disciplinar. A omissão é improbidade administrativa.
Não há, assim, qualquer dúvida em relação ao dever de apurar a responsabilidade dos subordinados. Isso, por si só, é verdade, não extingue a responsabilidade do gestor. Evita, entretanto, que ele tenha acrescida uma responsabilidade a mais, por omisso, na hora da avaliação dos seus atos.

Meios apuratórios

A apuração de irregularidade pode ser desenvolvida, conforme ocaso, por dois instrumentos:
- sindicância
- processo administrativo disciplinar

A sindicância, de natureza preparatória, investigatória, equivale na Administração Pública, ao inquérito policial na atividade judiciária.
Sindicância vem da palavra sindicar, que significa colher informações por ordem de outrem. Assim, o gestor determina a alguém – ou a uma comissão – que levante informações, que esclareça um fato, que aponte, se for o caso, a irregularidade e a autoria. Com base nessa peça de esclarecimento, a autoridade promove as medidas cabíveis, podendo ser representação por crime, envolvendo funcionário ou terceiros; ou processo administrativo disciplinar, para viabilizar a punição de servidor com vínculo estatutário. Em alguns casos, a sindicância conclui pela inexistência de irregularidade. Nessa hipótese, não haverá outra conseqüência, mas o gestor resguardou-se, apurando e esclarecendo o episódio.

Alguns estatutos – o federal e a quase a totalidade dos estaduais – prevêem a figura da sindicância de natureza punitiva. Muitos estatutos municipais, especialmente os elaborados a partir de 1990, seguindo o modelo federal, também adotam o modelo. Trata-se, aqui, de outra modalidade de sindicância, destinada a apurar e punir as chamadas faltas leves, que ensejam penas de advertência ou suspensão até 30 dias. Não há que confundi-la, portanto, com a primeira. Enquanto esta é um processo simplificado e célere, a outra é uma investigação completa, da qual não brota, imediatamente, qualquer punição. Ela prepara para medida adequada e superveniente.

Por fim, há o processo administrativo disciplinar, que brota a partir de elementos que já indicam a materialidade do fato e a identificação de autoria. Um processo necessariamente é deflagrado contra alguém. Enquanto a sindicância preparatória, de natureza inquisitiva, não nasce necessariamente com nomes de implicados, o processo é instaurado com a indicação do servidor acusado e com o claro apontamento do raio acusatório.

Esses, em breve comentário, são os instrumentos para que o administrador cumpra o seu dever de exercitar o poder hierárquico e disciplinar. Veja-se, entretanto, que não basta instaurar as medidas. É preciso que elas sejam desenvolvidas com eficiência, por agentes públicos treinados, com condições de conduzir a apuração às necessárias conseqüências. Hoje, a regra é assistir-se a sindicâncias e a processo disciplinares produzidos ao calor do improviso. Aqui, ou se patrocina a impunidade ou pune-se levianamente, sem certeza jurídica e sem assegurar ao acusado as garantias processuais que são inafastáveis. Neste caso, em especial, o gestor acabou não cumprindo o espírito da obrigação que a lei lhe impõe e, ainda, causou prejuízo ao erário. Esse dano pode vir de duas formas: a primeira, direta e imediata, pelo custo do desenvolvimento da medida apuratória inócua, considerando itens que vão da remuneração dos servidores até o material de expediente utilizado; a segunda, pela possível anulação de um processo disciplinar pelo Poder Judiciário. Não raras vezes, a anulação acontece seis, sete, dez anos depois. A reintegração de um servidor irregularmente demitido levará ao pagamento de tudo o que deixou de receber ao longo do tempo em que esteve afastado. A conta, então, virá muito alta para o órgão público – e muito alta para o contribuinte.

Conclusão

Em essência, eis um balanço do que está posto e do que está por vir. De
um lado, uma Lei complexa e severa; de outro, um elenco de instrumentos de controle que podem, a qualquer instante, deflagrar a esponsabilidade pessoal do prefeito, inviabilizando a sua Administração e encerrando, cedo e tragicamente, uma carreira política. A observância das cautelas supra elencadas pode ser um começo, para resguardar de problemas que só quem os enfrenta sabe o quanto aborrecem. ( destaques em vermelho - blog)
Fonte : BNDES

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